Ela entende os animais. Docente da faculdade de Medicina Veterinária da USP há 43 anos, Irvênia Prada, 67, balançou o meio acadêmico ao afirmar que bichos tinham alma.
Embora siga o espiritismo como religião, a professora de neuroanatomia não se referia ao sobrenatural, mas a algo bastante concreto: o cérebro. Estudando o órgão em homens e em bichos domésticos e silvestres, objetos de seu estudo, ela chegou à conclusão de que são idênticos. Então, por que negar que os animais dispõem de sensibilidade e raciocínio?
A descoberta contribuiu para colocar lenha na discussão do uso de animais em pesquisas e em eventos de diversão, como rodeios. Por esse legado, Irvênia tornou-se também consultora científica de ONGs de proteção animal. Ao lado de Branquita, sua gata de 12 anos encontrada no pátio da faculdade "como tantos outros animais", ela concedeu esta entrevista.
Que descoberta a senhora destaca de sua carreira?
Constatar pelo método científico que o cérebro dos animais só se diferencia do humano na expressão quantitativa e não na qualitativa e serve, sim, de órgão de manifestação da mente. Isso significa que o modelo do cérebro do cão, por exemplo, é o mesmo do de seu dono: são divididos em dois hemisférios e quatro lobos, com as mesmas funções. O que muda é que no ser humano algumas partes são mais desenvolvidas, como o lobo frontal, que é o instrumento de manifestação das funções psíquicas superiores, como os atos de inteligência, associação de idéias e memória.
Há alguma área no cérebro do gato ou do cachorro que é mais desenvolvida que no homem?
Sim. As estruturas relacionadas à função olfatória no cão e no gato são quantitativamente melhor representadas que no ser humano. Para esses animais, o olfato exerce um papel extremamente importante, utilizado para a sobrevivência, o acasalamento, o reconhecimento da cria etc. Já nos primatas em geral, aí se incluem os homens, essa função tem uma representação mais acanhada.
Dizem que o homem utiliza 10% do cérebro. Dá para dizer o mesmo do bicho doméstico?
Não há um estudo científico que forneça dados precisos de quanto o homem utiliza de seu cérebro, mas acredito que no fundo é isso mesmo. Não usamos toda a nossa força muscular, por exemplo, apenas um pouco para levantar, andar. Agora, quando somos solicitados, como fugir de alguma coisa, encontramos uma força que não conhecíamos. Enfim, todo o nosso arcabouço anatômico não é utilizado em sua plenitude. Podemos falar a mesma coisa em relação aos animais. Eles não utilizam toda a sua capacidade cerebral. Você percebe isso comparando animais treinados para algo específico, como cavalos de corrida, cães guias de cego, com outros que ficam parados, sem estímulo nenhum. Eles desenvolvem mais seu potencial de inteligência.
Então o treinamento em cães é um bom exercício para desenvolver sua inteligência?
Todo treinamento estimula a capacidade mental. A gente, por exemplo, vai ficando idoso então é bom fazer palavra cruzada. Manter a mente ativa é uma ginástica mental.
O treinamento de obediência estimula ou inibe a inteligência?
Estimula porque o cão está aprendendo. Todo aprendizado é feito em cima da capacidade de inteligência e não da instintiva, porque a parte instintiva da memória corresponde àquilo que já foi aprendido. Então, você faz automaticamente. Tudo aquilo que se aprende se faz por associação de idéias, portanto são atos de inteligência.
O que é inteligência para um gato ou cachorro?
É a mesma coisa que para a gente. Veja um felino, por exemplo. Ele pode ser impelido pelo chamado instinto, por aquela mola que o faz buscar o alimento, correr atrás da presa. Mas as coisas que ele resolve diante das circunstâncias são atos inegáveis de inteligência. Leoas, por exemplo, que caçam em grupo, montam estratégias. Esses atos que demonstram resolução do problema no momento em que ele surge são manifestações da inteligência.
É importante o dono estimular a inteligência de seu animal?
Sim, não só pelo animal, mas porque dessa forma o bicho terá mais condições de interagir de maneira mais completa com o ser humano.
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o modelo do cérebro do cão é o mesmo do de seu dono: dispõe das mesmas divisões e funções
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O que a Sra. quer dizer exatamente com alma dos animais?
Tudo começou quando escrevi um artigo para a revista da faculdade, com o intuito de regulamentar o uso de animais na pesquisa, e pus propositadamente o título: "Os animais têm alma?". É claro que eu não estava me referindo à alma no sentido religioso, mas à expressão latina "animus", que quer dizer mente, psique. O artigo teve grande impacto entre os colegas [rendeu o livro "A Alma dos Animais", ed. Mantiqueira].
Autor (a): Dra. Doolittle por Deborah Giannini
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